top of page
Foto do escritorMariana Lira

O Conto da Aia - Margaret Atwood

Atualizado: 27 de out. de 2018

Uma distopia de mulheres



"Vendo, pois, Raquel que não dava filhos a Jacob, teve inveja de sua irmã e disse a Jacob: Dá-me filhos senão morro. Então se ascendeu a ira de Jacob contra Raquel e disse: Estou eu no lugar de Deus, que te impediu o fruto de teu ventre? E ela lhe disse: Eis aqui a minha serva, Bila; Entra nela para que tenha filhos sobre meus joelhos, e eu, assim, receba filhos por ela."
O Conto da Aia ; Genêsis 30:1-3 circulando título ; Foto Autoral



Sinopse: A história de 'O conto da aia' passa-se num futuro muito próximo e tem como cenário uma república onde não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes - tudo fora queimado. As universidades foram extintas. Também já não há advogados, porque ninguém tem direito a defesa. Os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos no muro, em praça pública, para servir de exemplo enquanto seus corpos apodrecem à vista de todos. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi Estados Unidos da América. As mulheres de Gilead não têm direitos. Elas são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado - há as esposas, as marthas, as salvadoras etc. À pobre Offred coube a categoria de aia, o que significa pertencer ao governo e existir unicamente para procriar. Com esta história, Margaret Atwood leva o leitor a refletir sobre liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo tal qual o conhecemos, o futuro e, principalmente, o presente.


"Eu gostaria que essa história fosse diferente. Gostaria que fosse mais civilizada"

Essa será uma das resenhas mais difíceis que já fiz, muito provavelmente. Não foi uma primeira leitura, na verdade é a terceira vez que leio esse mesmo livro desde que descobri sua existência, graças a série que foi criada baseada nele. E não é só falar sobre ele aqui que vai ser difícil, ler esta obra todas as vezes foi muito penoso para mim. Vou mais além e digo que qualquer mulher que se dispor a essa leitura vai se sentir incomodada, as descrições do que acontece vão fazer a pele formigar, te fazer estar desconfortável na própria pele. Margaret Atwood foi impecável em escrever O Conto da Aia, tanto que mesmo tendo seu primeiro lançamento datando 1985, ele ainda é atual. E isso faz dele um livro assustador também.


A história se passa na República de Gilead, outrora conhecida como Estados Unidos da América. Com a taxa de natalidade caindo e a de infertilidade subindo, devido a guerras nucleares, pesticidas e DST's, o país sofre um golpe de estado por um grupo ultra conservador e teocrático chamado Os Filhos de Jacob. Regida por versões exageradas e distorcidas do Velho Testamento, a sociedade está agora dividia em castas masculinas e femininas. Homens serão Comandantes, alto escalão do governo; Guardiões, força militar interna; Anjos, força militar externa; Olhos, espiões do governo ou somente homens comuns. Mulheres serão Esposas, administradoras da casa; Marthas, responsáveis pela limpeza e cozinha; Aias, reprodutoras para aquele lar; Tias, doutrinadoras de novas aias; Salvadoras, executam cerimônias (não explicarei quais pois seria um mini spoiler) ou Econoesposas, mulheres casadas com homens comuns e que tem todas as funções concentradas em si. Não há fuga desses papéis a não ser a morte.

O livro é contado em primeira pessoa por Offred, uma aia que serve ao Comandante e sua esposa, estando ali unicamente para gerar uma criança para aquele casal, em uma analogia bizarra e distorcida da passagem bíblica Gênesis 30:3. Em sua narração, conhecemos a rotina da casa do Comandante e como aquele mundo funciona. Mulheres agora estão proibidas de ler, não importa em qual casta estão. Não tem direitos e estão diretamente ligadas ao homem que as possui a ponto de, no caso das aias, não terem mais direito nem ao próprio nome. Offred vem do inglês 'do Fred' (of Fred).

Não é uma leitura cronológica, é entrecortada com pensamentos da Offred antes de ser instituído o regime e também o mesmo pedaço da história pode ser contado mais de uma vez. Isso porque ela conta a história como lembranças, uma vez que no tempo dos fatos relatados não era permitido que ela tivesse lápis, papel ou gravadores.

O que torna este livro tão intenso de ser lido é a descrição dos deveres da aia e a forma como isso é obrigado a elas, pois sem dúvida são a parcela mais subjugada das mulheres de Gilead. São todas mulheres de fertilidade comprovada, ou seja, já tiveram filhos. Estes foram arrancados delas no início do regime então já existe uma camada bem densa de sofrimento se você pensar em mães tendo seus filhos roubados. Rotuladas e marcadas a ferro como gado, são dispensadas aos comandantes e suas esposas para serem estupradas em cerimônias e gerarem um filho para o casal. Esse estupro não é algo como a cena que possivelmente te veio a cabeça ao ler a palavra, mas é bizarro pois não é algo que as aias possam negar ao mesmo tempo não é algo que elas querem e ainda por cima envolve diretamente as esposas também. Tudo isso justificado por uma distorção de um texto bíblico, gênesis 30:1-3.

Apesar de ser um livro onde as mulheres são como um todo extremamente subjugadas, as figuras masculinas não são caricaturas, aliás, nenhum dos personagens é. Todos tem profundidade, razões embasadas, motivações para estarem onde estão e agirem como agem. E isso é o que aproxima tanto a leitura da realidade, não existe uma mocinha, um vilão. Todos ali são muito humanos, suas motivações são humanas e não estão em nada devendo ao que vemos acontecer hoje em algumas partes do mundo.


" - Pensamos que faríamos um mundo melhor. (...) Melhor nunca significa melhor pra todo mundo. Sempre significa pior para alguns"

Não acho que eu consiga falar mais sobre sem dar detalhes que serão verdadeiramente spoilers e arruinaram a experiência de quem for ler. É um livro pesado de ler mas eu o considero extremamente necessário, principalmente no momento político que o mundo inteiro vive hoje. Apesar disso tudo, não é um livro truncado, muito pelo contrário. A escrita é fluida e dá tranquilamente para ler em um dia, apesar de que eu mesma nunca consigo ler ele em um dia, eu sempre preciso de uma pausa pra respirar dele porque enquanto mulher que sou, ele me sufoca em alguns momentos. O livro tem clara inspiração em teocracias como a islâmica e a própria Margareth diz que não se trata de uma distopia de fato mas de um romance baseado em ciência social, ou seja, ela escreveu de uma maneira a apontar que tudo ali pode de fato acontecer, por mais assustador que possa parecer.


O CONTO DA AIA

Autor: Margaret Atwood

Tradução: Ana Deiró

368 pp. | 14x21 cm

ISBN: 85-325-2066-9

Assuntos: ficção – romance/novela, ficção científica/distopia

Selo: Rocco


22 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Opmerkingen


bottom of page